Fonte SBD
Em Araras, onde a incidência de xeroderma pigmentoso é de um caso da doença para cada grupo de 40 moradores, a superação faz da rotina de todas as famílias. Esse é o testemunho dos médicos que integraram a terceira expedição ao Recanto das Araras, que levou assistência qualificada aos habitantes da comunidade, em especial àqueles que convivem com essa mutação genética. Com o apoio do laboratório LaRoche-Posay, a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) capitaneou no fim de semana uma ação social que, em poucos menos de 48 horas (sexta-feira e sábado), contabilizou dezenas de consultas, exames e cirurgias, além de outras atividades, como o aconselhamento genético.
A recomendação de não gerar filhos a partir de casamentos entre parentes é uma das orientações para fazer o bloqueio dessa mutação. O gene relacionado ao XP fica “escondido” entre os pais e, quando se manifesta, em dose dupla, os portadores recebem uma cópia modificada do gene da mãe e outra do pai. A incidência na comunidade de Araras é de um caso da doença para cada grupo de 40 moradores. Em uma década foram diagnosticados 23 pacientes com manifestações do xeroderma pigmentoso na comunidade.
Em termos proporcionais, essa concentração de XP no interior de Goiás é considerada a maior já registrada no mundo. Os dados, considerados alarmantes, são atribuídos ao elevado número de casamentos consanguíneos, entre pessoas com predisposição genética para o XP. Até o isolamento geográfico de Araras favorece as uniões entre os parentes.
Preconceito – Há dez anos os moradores de Araras ainda acreditavam terem sido acometidos por uma peste ou praga que os havia condenaram ao isolamento, ao preconceito e à morte. No entanto, com a ajuda da dermatologista Sulamita Chaibub, do Hospital Geral de Goiânia, hoje aposentada, eles tiveram o primeiro diagnóstico da doença através de teste genético.
“Os fatores genéticos, que causam extrema sensibilidade aos raios solares, tornam as pessoas com XP muito mais suscetíveis ao câncer de pele e mutilações causadas pela retirada dos sucessivos tumores. Alguns usam próteses nas áreas do corpo mais expostas ao sol e afetadas pelo câncer, principalmente rosto e olhos”, explica a decana. Atualmente, Sulamita coordena o Grupo de Apoio Permanente às Pessoas com Xeroderma Pigmentoso (Grape), que atua em várias frentes para melhorar a qualidade de vida dos pacientes com XP e acompanha a evolução da doença mesmo fora do ambulatório.
O Grape é vinculado à Sociedade Brasileira de Dermatologia. Trata-se de um projeto da Coordenação de Ações Institucionais da entidade, criado com o propósito de promover o apoio contínuo no âmbito psicoemocional e educativo para portadores de doenças de pele que possam comprometer sua qualidade de vida, ser excludentes ou discriminativas nos âmbitos social, profissional e até familiar.
“O compromisso da SBD com os pacientes dermatológicos graves vai além dos consultórios. Buscamos desenvolver estratégias para chegar até eles, levando o melhor de nosso conhecimento, com o acesso às mais modernas possibilidades de tratamento e diagnóstico. Certamente, fazemos a diferença e continuaremos a fazê-lo com o apoio de nossos sócios e de instituições parceiras que acreditam nesssa proposta”, disse o presidente da Sociedade, Sergio Palma.
Proteção – Conscientes de que ainda não há cura para a doença, os portadores de XP são orientados a adotarem medidas de proteção contra a radiação solar, como uso diário de filtros para a pele, óculos de sol, chapéus e roupas longas. Muitos já trocaram a lida no campo por trabalhos domésticos e atividades noturnas, fugindo da exposição ao Sol.
“Os serviços médicos regulares oferecidos na região e na capital, Goiânia, além dos mutirões da SBD para a retirada de tumores e análise do material genético colhido dos pacientes estão entre as ações que melhoraram a saúde e a qualidade de vida das pessoas que convivem com xeroderma pigmentoso, em Araras e no entorno”, reconhece a dermatologista Fernanda Carvalho. Ela integra a equipe multidisciplinar que acompanha a rotina dos pacientes em Faina e em Goiânia.
Em uma década, dos 23 pacientes que apresentaram lesões decorrentes do XP, 20 continuam vivos. Há relatos de que, antes da “descoberta” da comunidade pelos dermatologistas, houve pelo menos 20 mortes entre os parentes dos atuais moradores com sinais e sintomas característicos da doença. Aos 85 anos, João Gonçalves da Silva foi contemporâneo da maioria deles.
Hoje aposentado, ele tem as mãos calejadas do trabalho na roça e o corpo marcado pelos cortes do bisturi em dezenas de cirurgias. Ele se considera uma “alma” vitoriosa por conviver com XP desde os cinco anos de vida, quando apareceram as primeiras manchas na pele. Na época, a família desconhecia as causas da doença e não tinha recomendações médicas sobre a necessidade de evitar o sol.
Gene – As histórias dos pacientes emocionam. Alisson Freire Machado, 16 anos, aluno do 2º ano do nível médio, sonha com a melhora de sua saúde e já decidiu que quer ser médico dermatologista para estudar o xeroderma pigmentoso. Ele é filho de Gleice Machado e de Djalma Freire, primos de quarto grau que desconheciam o parentesco e carregavam no DNA o gene modificado.
“Somos todos heróis. O que é raro para os outros lá fora e o resto do mundo é comum para nós. Nossa luta já resultou em ganhos, tanto em qualidade de vida como em ações científicas e médicas”, disse Gleice, que fundou a Associação Brasileira do Xeroderma Pigmentoso (ABRAXP), com abrangência nacional e cerca de 300 sócios. O grupo conta com o apoio da entidade, inclusive durante os mutirões da SBD na comunidade de Araras, que acolheu cerca de 50 visitantes em busca de diagnóstico e tratamento.
O secretário de saúde de Goiás, Ismael Alexandrino, que esteve na comunidade pela primeira, também reconheceu a importância da parceria com a SBD que levou uma dúzia de dermatologistas para cuidar dos pacientes com XP e outras doenças de pele. “Nós conseguimos unir diversos interesses e mudar a perspectiva de vida e a qualidade de vida da população que é atendida pela SBD. Nós precisamos de mentes brilhantes, de pesquisadores envolvidos para que possamos desenvolver políticas públicas de saúde para cuidar dessas pessoas”, afirmou.