Fonte SBD
Como parte das comemorações pelo Dia do Médico (18 de outubro), a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) capitaneou no fim de semana uma ação social que levou atendimento qualificado para os moradores do povoado de Araras, no Noroeste de Goiás, uma comunidade rural que parece perdida no tempo e é castigada pelo sol escaldante do Cerrado. Em poucos menos de 48 horas (sexta-feira e sábado), 12 dermatologistas realizaram dezenas de consultas, exames e cirurgias para uma população que apresenta uma condição patológica atípica: são portadores de uma mutação genética que leva ao desenvolvimento do xeroderma pigmentoso (XP).
Um caminhão com consultórios e salas de cirurgia foi levado até o local, inclusive com equipamentos de alta tecnologia, como microscopia confocal e fotofinder, além de dermatoscópios, para fazer a identificação e retirada de tumores de pele com maior precisão. Durante dois dias a equipe da SBD acompanhou 16 atendimentos médicos em pacientes com XP, mesmo média alcançada em edições anteriores da expedição Recanto das Araras, que acontece pela terceira vez, sempre em parceria com o laboratório La Roche Posay.
Além desses atendimentos, foram realizadas 12 cirurgias, com a retirada de 40 tumores (32 cânceres de pele carcinoma basocelular e 8 cânceres de pele melanoma) em decorrência do xeroderma pigmentoso. Outros 12 pacientes, ainda sem diagnóstico de XP, também passaram por cirurgias com a remoção de 16 lesões de câncer de pele (todos do tipo carcinoma basocelular). A ação solidária é realizada a cada dois anos desde 2015. Os testes genéticos já realizados na comunidade identificaram 85 moradores com o gene modificado que pode causar o xeroderma pigmentoso, sendo que 23 já têm a manifestação da doença.
Compromisso – Para o presidente da SBD, Sergio Palma, que integrou a equipe, é prova do compromisso social da especialidade. “A medicina deve ser sempre humanizada e a dermatologia tem essa característica. É importantíssimo esse cuidado e o acolhimento do paciente. O trabalho da dermatologia nesse povoado tem sido muito gratificante. É um crescimento pessoal imenso e uma experiência riquíssima que eu vou levar para a vida toda”, disse.
A partir de Goiânia, onde o grupo se reuniu, foram percorridos cerca de 250 km até a comunidade, sendo 40 deles em estradas de terra. “O resultado foi excelente. Fizemos muitos diagnósticos e conseguimos tratar muitas lesões. A sensação é de que esse esforço precisa continuar. Essa comunidade não pode ficar desassistida. No que depender da SBD, essas ações devem ser mantidas e aprimoradas para trazer novos benefícios para essa população”, disse a secretária-geral da SBD, Cláudia Carvalho Alcântara Gomes, que atuou diretamente na organização da caravana.
O xeroderma pigmentoso (XP) é uma doença de origem genética e sem cura, caracterizada pela pele seca, pigmentada e extremamente sensível à luz solar em decorrência de uma mutação. Por ser rara e pouco conhecida, a cada mutirão as amostras dos tumores retirados dos pacientes são colhidas para análise no Laboratório de Reparo de DNA do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de São Paulo (USP), que tem aprofundado os estudos sobre a doença, como explicou a geneticista Juliana Vilar, que também fez parte da equipe.
Parceiros – Nesta edição, novos parceiros institucionais se agregaram à iniciativa, num total de 15 instituições. Por exemplo, o laboratório de Métodos de Extração e Separação do Instituto de Química, da Universidade Federal de Goiás, colheu amostras para um trabalho que realiza com o objetivo de desenvolver técnicas para o diagnóstico simplificado do câncer.
Ao avaliar a iniciativa, a 1ª secretaria da SBD, Flávia Vasques Bittencourt, ressaltou ainda a importância do trabalho realizado pelas dermatologistas de Goiás que dão assistência contínua aos pacientes de Araras. As especialistas Fernanda Rocha Lima, Ana Maria Ribeiro e Larissa Pimentel se desdobram para que a comunidade tenha a orientação necessária no tratamento da doença.
“São profissionais comprometidas com o atendimento dessa população. Graças ao empenho de cada uma, que rodam centenas de quilômetros todos os meses e nem sempre contam com as condições adequadas para exercer seu papel, que os moradores dessa comunidade têm acesso ao cuidado especializado. Elas são um exemplo do compromisso do dermatologista com a saúde pública”, disse Flávia Bittencourt.
Com o apoio dessas três especialistas goianas, o trabalho foi conduzido, nesta edição, com o apoio de médicos que vieram de Recife (PE), Belo Horizonte (MG), Vitória (ES), São Paulo (SP) e Rio de Janeiro (RS). Além dos membros da diretoria da SBD, também contribuíram os dermatologistas Carlos Barcaui (coordenador do Departamento de Imagem da SBD), Joaquim José Teixeira de Mesquita Filho (coordenador do Departamento de Cirurgia da SBD) e Vanessa Mussupapo.
Especialidades – Além do atendimento dermatológico, a expedição possibilitou ainda aos moradores o acesso a médicos de outras especialidades, como oftalmologia, e até assistência jurídica e apoio psicológico. Houve a distribuição de kits com filtro solar e outros dermacosméticos, bem como palestras sobre aconselhamento genético para que os jovens, entre outros cuidados com o XP, se casem com mais segurança.
O vice-presidente da SBD, Mauro Yoshiaki Enokihara, vê na ação a materialização de como deve ser a rotina nos consultórios. “É fundamental esse relacionamento entre o médico e o paciente. A dermatologia está em várias áreas de atuação. A estética, por exemplo, é importante, mas não pode ser mais importante do que o cuidado e a prevenção das doenças, principalmente as que são estigmatizantes. Eu também aprendo com os pacientes, mas não dessa maneira no contado com a realidade deles. Isso aqui para mim tem sido uma lição de vida para que a gente possa tomar como exemplo e aplicar em outros momentos”, afirmou.
Para os especialistas, mutirões de saúde como o de Araras melhoram a qualidade de vida dos moradores e também enriquecem a experiência de vida dos participantes. É o que pensa Leonardo Mello Freire, secretário da SBD. Segundo destacou, “sempre ajudamos, ensinamos e aprendemos. Há muitas pessoas que precisam de ações como essa. Ao realizarmos uma, como essa, em Araras, conseguimos fazer alguma diferença e acabamos aprendendo muito também”.
É assim que pensa também Sulamita Chaibub – a dermatologista que diagnosticou o primeiro paciente com XP em Araras –, que, mesmo aposentada, fez questão de acompanhar de perto a missão de combate ao câncer em Araras. Segundo ressaltou, “esse time atingiu, mais uma vez, seu objetivo de assistência médica e social com excelência”.
Com um envolvimento de vários anos com esse trabalho, Sulamita é reconhecida pela especialidade por sua dedicação à causa. Contudo, ela compartilha com os participantes da missão essa gratidão: “ a generosidade demonstrada pelos estimados colegas é comovente, deixando nítida a escolha pela prática médica. Vocês abdicaram de seu precioso tempo no conforto de seus consultórios, de sua casa e da presença de seus familiares para olharem e cuidarem daqueles que sofrem com essa doença. Ela não perdoa e mutila seus portadores cada vez mais. A sensibilidade humana do médico foi demonstrada por vocês no atendimento, no diagnóstico, na cirurgia e na discussão científica”, concluiu.